Correu há alguns anos uma saborosa história sobre uma figura política do Norte que teria, numa campanha eleitoral, oferecido uns electrodomésticos a potenciais eleitores. A história seria ou não seria verdadeira, mas era, dado o perfil do político em questão, plausível.
As famílias e as empresas têm vindo alegremente a endividar-se desde a adesão ao Euro: a combinação de crédito barato e abundante, baixa inflação, estabilidade, inexistência de mercado de habitação e apelo ao consumo daqueles bens importados que fazem a vida mais confortável, mais alegre ou simplesmente mais vaidosa - provou ser irresistível.
O Estado deveria ter sido o elemento refreador e moderador, pela contenção, pela parcimónia, pelo equilíbrio nos anos piores e pela geração de superavits nos anos melhores. Não foi, como sabemos, nada disso: se houver quem ainda tenha dúvidas que vá navegar nos mares do Pordata ou compre os livros de Álvaro Santos Pereira, ou Nogueira Leite, ou Luciano Amaral, ou alguns outros - eu agora não tenho vagar para escabichar os números que compõem o triste quadro do fardo do loiro homem nórdico em que nos deixamos tornar.
O Estado deveria... Mas foi assim? Claro que não: o Estado não existe senão como abstracção, o que existe em concreto são as pessoas que administram o Estado em nosso nome. Sucede que essas pessoas compraram o voto que lhes deu o lugar não apenas com electrodomésticos, como terá feito o tal Odorico Paraguaçu dos meus lados, mas com rendimentos mínimos de inserção, pensões impossíveis, subsídios com nomes moderninhos, um para cada dia do ano, maquinetas para difundir cultura de carregar num botão, e todo um circo de melhoramentos e realizações - tudo com dinheiro de quem não podia evitar o esbulho e, quando isso não chegasse, a crédito.
Taí o cobrador do fraque - três. E agora há igualmente três eleitores atordoados: o caloteiro que não quer pagar e acredita que se safa com a esperteza; o que quer pagar mas julga que vai poder pagar e viver do mesmo modo; o que quer pagar e sabe que vai ter de, como se diz, dobrar a mola, mas hesita entre quem lhe lembra pelos modos os senhores que o meteram nesta alhada e um actor céptico que sempre esteve ao fundo, como uma ave agoirenta, a dizer que assim não podia ser.
É desta que o céptico lúcido vai ser promovido a estrela da companhia? Não sabemos, apenas estamos certos de que deixou de ser actor secundário. Mas, a 5 de Junho, saberemos.