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Rua Direita

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02
Jun11

Carta à JSD sobre os centros históricos das cidades

Margarida Bentes Penedo

Os centros históricos das cidades portuguesas têm vindo a morrer.

 

Sucessivos governos, tanto centrais como locais, não conseguiram resistir a duas tentações perigosas. A primeira foi a da promiscuidade com os grandes promotores imobiliários. A segunda foi "deixar obra". Uma e outra conduziram ao desvio de massa construída para os subúrbios das cidades, onde havia espaço. Não só havia espaço como este era relativamente barato. Compravam-se terrenos agrícolas, faziam-se uns truques com os Planos Directores Municipais, alteravam-se as manchas de ocupação, convertia-se aquilo em zona urbana e estava encomendado mais um conjunto de fogos. O objectivo de fazer política social de habitação à custa da banca arruinou o mercado de arrendamento e elevou a aquisição de casa própria a níveis delirantes. Hoje ninguém consegue pagar as prestações e olhamos para um país repleto de trambolhos devolutos.

 

Enquanto isto acontecia, os centros históricos ficaram quase exclusivamente entregues à iniciativa de particulares. Aí o Estado actuou de outra maneira. Criou gabinetes técnicos (muitas vezes empresas municipais, as famosas Sociedades de Reabilitação Urbana) destinados à defesa (contra quê?) das chamadas "zonas sensíveis". Inventou toda a espécie de entraves ao licenciamento urbanístico. Acrescentou a complexidade da regulamentação, a morosidade das respostas, os valores absurdos das taxas e impostos e o último recurso dos incompetentes: meter o nariz em tudo e colocar as decisões ao nível do "gosto" (isto assim fica um bocadinho desenquadrado, ficava mais bonito se as mansardas fossem em telha, porque é que não se tira este revestimento e se põe antes um que seja mais a condizer com a "traça antiga", etc.). Este "gosto" foi debatido de um lado da mesa por arquitectos municipais que nunca exerceram a profissão, e do outro lado por artistas saídos em tabuleiros das dezenas de faculdades de arquitectura que, com a escassez de trabalho e deficiência de formação, estavam desejosos de "deixar marca". Assim nasceram uma série de híbridos negociados de forma a garantir que o resultado final era caríssimo, ia contra a vontade de todos e tinha o parecer favorável das entidades competentes. Quem se meteu nisso uma vez, raramente repetiu. Na impossibilidade de rentabilizar o seu património, muitas vezes envolvido em processos complicados de natureza cadastral, as pessoas foram desistindo. E o interesse público que o Estado devia defender transformou-se em desinteresse generalizado.

 

Este processo não se inverte com propostas pueris.

 

Importa que o Estado comece por reabilitar os seu imóveis devolutos (em Lisboa, por exemplo, é o maior proprietário). E para se dar ao respeito, tem que reabilitar estes imóveis no mais absoluto cumprimento da legislação que obriga os particulares a cumprir. Importa que o Estado cumpra também os prazos legalmente estipulados para resposta aos pedidos de licenciamento. Que torne claros, públicos e razoáveis os valores que cobra pelas operações urbanísticas. Que reforme a legislação que regula a reabilitação de edifícios, designadamente a das acessibilidades e a do comportamento térmico, de modo a garantir que a mesma seja inteligível, aplicável e sensata. E que valide as opções conjuntas dos proprietários e dos técnicos responsáveis pelos projectos e pelas obras, limitando-se a fazer a verificação da conformidade regulamentar.

 

As cidades mais interessantes, mais confortáveis e mais civilizadas evoluiram sempre de forma orgânica, mais apoiadas na manutenção do que na construção. Responderam às necessidades de cada geração sem impedirem que as gerações seguintes pudessem responder às suas. Chama-se a isto sustentabilidade.

25
Mai11

Regresso à Cova da Beira

Margarida Bentes Penedo

 

José Sócrates nunca viu Passos Coelho apresentar "uma obra que fosse que lhe pudesse dar autoridade para pedir o voto aos portugueses". Entendo. Porque há políticos de quem nunca se viu nada. Mas José Sócrates, antes de pedir o voto aos portugueses, já tinha uma obra vasta.

 

 

 

A arquitecta que apreciou um licenciamento advertiu: "Todas as peças têm que ser assinadas pelo autor do projecto. Não se aceitam rabiscos que não são nada em folhas de responsabilidade (...) têm que ter uma assinatura legível". Esta senhora foi séria e responsável. Reconhecendo no que via uma obra destinada à controvérsia, quis proteger José Sócrates impedindo que, mais tarde, a autoria viesse a ser disputada por algum projectista de talento inferior.

 

Almeida Santos já disse que José Sócrates se demite caso perca as eleições. Não quererá tutelar uma pasta ministerial num governo em que não seja líder, e "não podemos exigir isso dele".

 

O regresso à Cova da Beira está portanto previsto para os próximos dias. Entre técnicos municipais, beneméritos da Guarda, responsáveis culturais, guias turísticos, especialistas de saneamento e simples populares, a alegria é imensa. A multidão já começou a concentrar-se para uma recepção apoteótica, preparando-se para cantar, dançar e lançar sobre José Sócrates as mais variadas oferendas.

21
Mai11

Todos os portugueses são africanistas de Massamá?

Margarida Bentes Penedo

Fernando Nobre andou a monte durante uns dias. Hoje reapareceu e disse que "todos os portugueses são africanistas de Massamá".

 

Conheço uma senhora que é dactilógrafa de Esposende. E um rapaz que é assentador de ladrilhos da Donalda, que é quem vai de Portimão para Lagos, vira à direita mesmo antes da ponte, quase a chegar à estrada de Alvor. E conheço um sportinguista que mora na Rua do Quelhas. E outro que é coleccionista, esse vi num concurso de televisão, parece-me que era da Cabeça Gorda. Em Seia há um notário de Sandomil. E há uns anos, por culpa de um protector solar que me esqueci de conservar no frigorífico, cruzei-me com uma dermatologista de Albernoa.

 

Por isso fiquei perplexa. O que é que Fernando Nobre quererá dizer com isto?

20
Mai11

Liberdades

Margarida Bentes Penedo

Há quem escolha como modo de vida receber dos outros e produzir zero. É uma prática legal e não deve ser proibida. Francisco Louçã acha que tem que se proteger essa gente, e defende que seja o Estado a pagar. Eu acho que o contribuinte tem que se proteger do dr. Francisco Louçã.

 

Ninguém deve ser obrigado a abdicar de uma liberdade que considero fundamental: a de escolher individualmente as extravagâncias em que quer gastar o seu dinheiro. Se o tiver.

 

Responsabilizar o Estado por essa escolha é uma ideia moralista, paternalista e aberrante.

18
Mai11

Novas Oportunidades: aprender não compensa.

Margarida Bentes Penedo

 

As Novas Oportunidades credenciaram a ignorância de alguns e a competência de outros. Como todo o ensino em Portugal. Confiando nos números que se discutem por aí, só por conta desta iniciativa houve 500 mil portugueses que obtiveram uma melhoria das suas habilitações.

 

A página oficial afirma que "aprender compensa".

 

Foi nisto que acreditaram muitos milhares de portugueses que se juntaram na rua a protestar por terem sido enganados. Tinham estudado. Tinham obtido uma melhoria das suas habilitações. De novas oportunidades é que nem rasto. Foi no dia 12 de Março.

 

Por isso a iniciativa foi deles. Números gordos, no dia 5 de Junho têm 9,5 milhões de novas oportunidades para punir quem os enganou.

16
Mai11

O que fez Cavaco e o que ele não pode fazer

Margarida Bentes Penedo

Cavaco Silva quer um governo maioritário. Cavaco Silva pede um governo maioritário. Cavaco Silva congratulou-se por os partidos reconhecerem a necessidade de um governo maioritário. Diz-se por aí que Cavaco Silva "já avisou que não dá posse" a um governo que não seja maioritário.

 

Vamos por partes. Perante os resultados eleitorais, o presidente da república tem que chamar o representante do partido político mais votado e convidá-lo para formar governo. Este governo deve então ser constituido e tem que submeter o seu programa a aprovação pelos deputados à assembleia da república.

 

 

 

 

Tradicionalmente, entre votos a favor, votos contra e abstenções, a assembleia da república tem aprovado todos os programas, e por consequência os governos, que lhe são apresentados. Até hoje, a única excepção foi o governo de Nobre da Costa. Tradicionalmente, repito. Porque na realidade não é obrigada.

 

Suponhamos que não aprova. Nesse caso, o presidente da república tem que chamar o representante do segundo partido mais votado e fazer-lhe o mesmo convite. Sucessivamente, repete-se o processo até que a assembleia da república aprove o programa de um governo novo. Isto é o que está estabelecido na constituição.

 

Em resumo, e na prática, quem dá posse a um governo é o presidente da república. Mas quem o escolhe é o parlamento.

 

Assim sendo, pode Cavaco Silva pedir o que entender. Apelar ao que lhe parecer mais próprio. Congratular-se pelo que lhe dizem os partidos. Mas não tem qualquer espécie de poder para decidir qual o governo a que dá posse. Quem tem esse poder é o povo português, através do voto dos deputados à assembleia da república que são, no nosso sistema político, os seus legítimos representantes.

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